sexta-feira, março 21, 2008

GRÁVIDA TODA, LUA TANTA


Grávida toda, lua tanta lançando morno nesta noite fria. Os lobos chiam em ti os sofrimentos que as paixões humanas encubam. As silvas amolecem diante de uma luz tão branda. Minha alma, uma vez mais com o mesmo, este mês se espanta.

Jaime Vehuel

DESNASÇO COM DESPUDOR

Desnasço com despudor, errante de nenhures. Respiro então o canto de uma cotovia, é noite, o bréu me protege de qualquer apego, solto as amarras da alma e só por ela aporto a parte alguma sem sofrer.

Jaime Vehuel

quarta-feira, março 19, 2008

SUBMISSAS AO VENDAVAL ROLAM BOLOTAS


Submissas ao vendaval, rolam bolotas invisíveis pelos campos ermos de uma explícita angústia. Pela manhã vou colhê-las, uma a uma, pois são elas o maná insuspeito de mais um apocalipse de bolso.


Jaime Vehuel
imagem: Paul Klee, Magic Garden

segunda-feira, março 17, 2008

AI, O FULGOR DAS BORBOLETAS

Ai, o fulgor das borboletas quem me dera. Fico no entrecampos de um bosque de esferas malvas. E ai que bom quando não escorrego nas lamas que meu império tece e, afogado, me ausento, inebriado de lamento, um estagnado desporvir.

jaime vehuel

TÉPIDO É O SUAVE RESFOLEGAR

Tépido é o suave resfolegar das sereias transparentes que povoam as planícies.

jaime vehuel

QUÃO GENEROSAS SÃO AS MADRUGADAS


Quão generosas são as madrugadas, e tão breves. Irrompo da noite a passo lento e acalento mordomias ao hóspede de mim que fui por entre luas. Venero o sol chegante e, quase ofegante, limpo daquele caminho as minhas cinzas.

jaime vehuel

E DE SÚBITO O CÉU CHOVEU

E de súbito o céu choveu sobre meus ombros lisonjas em gomos. Eu, embora sequioso de mim mesmo, tive pudor em lhes dar interior, mas acabei jovial lhes sucumbindo.

jaime vehuel

CALCURRIO RENDIDO A PELE INTEIRA

Calcurrio rendido a pele inteira que me ofereces, ao mesmo tempo com sede e saciado. A juzante encontro orvalho e musgo, entre eles recebes meu beijo outro, coisa de entranhas, de labareda e de riacho.

jaime vehuel

URGE TRAZER PARA AS AURORAS

Urge trazer para as auroras lívidas dos nauseados peitos o frémito das searas em brisa. Esse loiro remanso dos poentes tem por si crinas baptistas, assim me contaram as insónias.

jaime vehuel

quinta-feira, março 06, 2008

DEI POR TI ESCONDIDA


Dei por ti escondida por trás do tempo, como grão de areia destinado a ser rocha macia. Estendi-te o pé e tu bafejaste nele as doçuras que aprenderas com os anjos. Fiquei ali, deleitado naquele morno do teu bafo que assim ficou tão querido.


jaime vehuel

terça-feira, março 04, 2008

ARRASTO A VERDADE

Arrasto a verdade como um limo escorrendo pelo asfalto em manhã de gaivotas. Cheiro nela a presença de incontáveis insónias, cansaços que fazem das afirmações convictas apenas tangíveis serenatas de névoa. Toco ao de leve a fímbria do tempo e nela me enrosco, perdido de amores pelo infinito.

Jaime Vehuel