domingo, dezembro 23, 2007

AR MEU AR

ar
meu ar de nós
suor da alma perdida
entre pós

ofegante gemo
do pavor da ausência de mim em mim
roído

respiro então mais nos
ombros
e digo venha
ao eu
o nó do nosso

é então que sei que
posso
ascender do poço
abrir as comportas
e escorrer sem correr
escorrer escorrendo

Jaime Vehuel

sexta-feira, dezembro 21, 2007

SER POETA É SER MAIS ALTO

Ser poeta é ser mais alto, é ser maior
Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Áquem e de Além Dor!


É ter de mil desejos o esplendor
E não saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!


É ter fome, é ter sede de Infinito!
Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim...
É condensar o mundo num só grito!


E é amar-te, assim, perdidamente...
É seres alma, e sangue, e vida em mim
E dizê-lo cantando a toda a gente!


Florbela Espanca

MEUS AVÓS PATERNOS


quinta-feira, dezembro 20, 2007

ME ARREBATAS E ENEBRIAS

me arrebatas e enebrias de desejo de estreitar em mim tua pele tão pura
e, é verdade, também me inspiras
nas minhas paredes aparece o teu rosto sem esperar convite
a minhas portas bate um fantasma que guarda as portas de ti própria, reclamando o exclusivo
quero estar tão contigo dentro que a luz a façamos nós, o sol ocultado pelo tempo de um prolongado espasmo
quero abraçar-te tanto que te não sobrem forças para resistires às vagas que assaltam nosso sangue suavemente
toca-me com ti toda, faz-nos desaparecer em nossas peles, invade-me com a tua língua, arrasta-me para o mar do teu odor
nasce-me de vez em quando em cada dia


jaime vehuel

QUERO-TE DIZER QUE COMO


quero te dizer que como
em ti a erva mágica que faz dos cavalos
alados e anjos

alimentas de novo minha alma moribunda e
meu corpo geme pelos enlaces que teremos

seremos um mel novo
jorrando
para quem esteja ao redor
porque nosso amor será cada dia um pouco
maior ainda

quero te ver ao sol de janeiro a fazeres me louco
da saudade dos momentos contigo

ainda não vividos
porque sinto em ti a catarata de um Iguaçu perene

sinto tua pele na distância
como se fosse puro linho em mim
bebo já teu leite em tua concha que
me acolhe
e aí renasço homem mais inteiro
sem sobra de fraqueza nem trejeito


Jaime Vehuel

O MEDO

(... )
Ah o medo vai ter tudo
tudo
(penso no que o medo vai ter e
tenho medo
que é justamente o que o medo quer)

O medo vai ter tudo
quase tudo
e cada um por seu caminho havemos todos de chegar
quase todos
a ratos
sim, a ratos

Alexandre O'Neill, O Poema pouco original do medo, com translineação do blogger

A LUA TOMA

A lua toma de assalto um rio assim tão de prata que até conchas em desejo se metem às arrecuas do mar para trás, se espantam de tanta luz noctívaga e sem brisa de vento.
E chega o barco de pesca e pensa: hei-de pôr-me à cata das sardinhas que hoje para aqui imigraram ou hei-de apenas fruir o prateado desta noite sem par? E um caracol enroscado no casco lhe sugere: não sejas tonto, toma as duas.

Jaime Vehuel

quarta-feira, dezembro 19, 2007

TERRA... MULHER

imagem e título roubados a www.poeticalente.blogspot.com

ÒPTIMO NATAL


UM QUASE SÚBITO MERGULHO

Um quase súbito mergulho na já familiar taça de fel. Nada resolve esse abismo, nem esbracejar, nem flutuar, é como um fuzilamento entrando sem pedir licença por todas as veias, sem quase haver um neurónio que escape.
Ai, caiu-me o céu em cima sem que as estrelas viessem junto, elas ficaram suspensas algures num inefável infinito e em mim ficou apenas o negro-negro, a absoluta treva.
Não é que as flores murchassem: apenas deixaram de existir.
Ligo o telemóvel. Que pena não estarem lá palavras deixadas por todas essas pessoas com quem não quero falar. Desligo de novo, para recolher ao útero que me é fornecido pelo me manter incontactável.

Jaime Vehuel
Dez2007

domingo, novembro 18, 2007

TENS AMORAS NOS SEIOS

tens
amoras nos seios
ou antes azeitonas
pois que aperitivam
o vinho doce em que
na descida
te hás-de fontear

em ti a broa fresca de
um sustento
que sustento ser
de inegualável alimento
nuvens azuis e densas e suaves
movidas quando ventas

Jaime Vehuel

terça-feira, novembro 13, 2007

HAVERIA UMA BICICLETA

haveria uma bicicleta toda em prata
e nela montada a esperança de
um só dia
todo o tempo condensado num
momento puro de encanto
retirado até o próprio luto da agonia

jaime vehuel

ESPALHAREI TULIPAS

espalharei tulipas no asfalto
para que os viajantes maquinados
já se espantem
e lancem na cidade o grito mudo
de mil gaivotas regressando

jaime vehuel

TENHO CEREJAS

tenho cerejas com coco
peito adentro

que fazer com esta bulimia

jaime vehuel

ATROPELADO PELO VENTO

atropelado pelo vento
teu cabelo ondula e estica
dá-me dele um caracol arejado
para que minh' alma nele se afague
e parta longe sem sair de seu caminho

jaime vehuel

O EREMITA SURTIU

o eremita surtiu de sua toca
e de cajado à mão pisou de novo os rios
seus pés não afundaram todavia
pois que os peixes mil seu passar atapetaram
de acordo com os laços que no segredo da gruta
no silêncio e no orar lá se bordaram

era de noite porém mas o pé franco
trazia noutra mão estrelas de vinho
também com tanto os peixes se animaram
fugindo de deixar o homem sozinho

jaime vehuel

JÁ SE ME OCORREM

já se me ocorrem
nascentes sóis
cadentes luas
e nesse tanto extasiante
corridas de algas
me assaltando o ventre

jaime vehuel

SORVENDO LENTAMENTE

sorvendo lentamente
teu olhar de planta
brumei sorriso meu
de mágoas lavadas

jaime vehuel

domingo, setembro 02, 2007

SER COISA EVIDENTE

Ser uma coisa evidente é ficar reduzido a quase nada.

Teixeira de Pascoaes (1877-1952)
Aforismos

sábado, setembro 01, 2007

SEDE DE MUSGO


Uma mais vez salvei a sede de musgo que minha alma acalenta e o coração outrora esquece.
Assim se me acendeu Inverno adentro a chama verde de um lamento expurgado de saudade, melancólico apenas.
Quando eu for grande serão de linho os fetos que meu corpo regam, suas frágeis folhas distribuindo ventos.


Jaime Vehuel
01.09.07
Imagem: Campo de trigo com corvos, Van Gogh

quarta-feira, agosto 29, 2007

AMO UMA FOLHA VERDE

Amo uma folha verde, uma borboleta azul, um cabelo negro.
Como se ali fosse a pousada de um destino ingrato redimido.
Sorvo do vento que passa o aroma de uma esperança desabrida, como se de repente o musgo se enchesse de um orvalho absoluto.
E sigo fruindo, até ao fim dos horizontes todos que no tempo do hoje desfalecem.

terça-feira, agosto 07, 2007

PÉTALAS


Que ninguém se surpreenda se o dia alvorecer e estiver no ar um cheiro a pétalas caídas num rio em maré-baixa. São saudades? São desejos? São promessas? São beijos.


Jaime Vehuel
imagem: "Adão e Eva", Albrecht Durer

quinta-feira, junho 21, 2007

O MEDO


Ah
o medo vai ter tudo
tudo

(penso no que o medo vai ter e tenho medo
que é justamente o que o medo quer)


O medo vai ter tudo
quase tudo
e cada um por seu caminho havemos todos de
chegar quase todos
a ratos
sim, a ratos


Alexandre O'Neill, O Poema pouco original do medo, com translineação do blogger

segunda-feira, fevereiro 05, 2007

CANTARAM ATÉ OS LUARES DE JUNHO






cantaram até os luares de Junho
na alvorada de teu corpo amado

teus seios se abriram a meus lábios
em sua doce maternidade menininha

colhi então de teus cabelos
os nenúfares sem fim do hálito das pérolas

com eles em meu peito cheguei nas taprobanas
de minha mente escondida

de lá se soltaram algas, cabelos de novo
agora nossos

elas correram por nós dois adentro
e tu não foste mais minha que eu teu

fomos tão só e tanto o infinito
ali parado por um breve pouco

ai que Deus é também isto
só pode

aqui vida e morte são uma só terceira coisa
nós dois em sinfonia e basta




jaime vehuel
05fev07,lx

terça-feira, janeiro 23, 2007

VI A LUA AO REDOR


Vi a Lua ao redor de mim nas quatro fases todas, circulando.
Ela trazia variações, essas traiçoeiras fontes de vitalidade e púrpura.
Pousada na dita me dizias coisas que o coração atende e a mente se ocupa em negar, e que a intuição manda que a elas o jogo se entregue e ceda sem nada ceder – ou seja, ame.
Há de mim um olhar translúcido apesar do escuro, uma visão de névoa luminosa como a de Avalon das feiticeiras brancas. Oh, como eu gostaria que assim já fosse.



jaime vehuel