quarta-feira, março 22, 2006

DEPOIS DE MULHOLAND DRIVE (II)*

um lobisomem sai
fumegante
do café servido à mesa
homem dos fundos
homem do saco
nevoeiro do receio de medos
ainda insabidos
improváveis factos mas personas certas
tão reais artérias horríveis
de mil inconscientes mal dormidos

éclair de jeans aberto
uma púbis em azul riscado
a mão trota
e já cavalga agora toda louca
rumo ao ligeiro torpor de um prazer
falido

sou eu o lobisomem
de mim própria
sou minha alma olhando o medo
de meus olhos cegos
as placas na lapela sempre em troca
como se eu fosse rouca
e o serviço em cacos

caídas
de um tabuleiro fantasma
como tantos anjos
as chávenas de café concreto
ganham chão
para se reunirem

só depois de se passar pela paixão do lobo
o Capuchinho se avermelha


jaime vehuel
mar.2002

*Mulholand Drive: filme de David Linch


A STAR IS DEAD

Fonte: www.portaldoastronomo.org
Ilustração representando a evolução de uma estrela. Quando a estrela consome todo o seu combustível entra em colapso. Se a estrela tiver massa suficiente o colapso dará origem a um buraco negro; este rapidamente formará jactos; as ondas de choque irão expelir as camadas exteriores. As fulgurações de raios gama são os sinais da morte estelar e do nascimento de um buraco negro. Crédito: Nicolle Rager Fuller / NSF

terça-feira, março 14, 2006

DEPOIS DE MULHOLAND DRIVE (I)*

há um sofá cama fechado
por dentro da sala turquesa
plena
de lençóis enxutos
e humidade nas paredes ocas

uma cabeleira loira beija
morena cabeleira lívida
como os vampiros beijam
os fantasmas

são olhos cegos de olhar
os que ali se desencontram
são lábios frementes
de algas consumidas
castanhas frias
às duas da manhã da vida

pântanos
os nossos pântanos de estimação
abridos
corpos escancarados e leitosos
exauridos para mais defecagens de
poli-chinelo
convidando agora ao
conhecimento do inferno
por inteiro

não se chega ao âmago da alma
sem passar pelas contra-curvas


jaime vehuel
mar.2002
*Mulholand Drive: filme de David Linch

terça-feira, março 07, 2006

DIA DA MULHER


Acho que, infelizmente, ainda se justifica um dia anual dedicado a que atentemos na condição da mulher. Em alguns lugares por razões candentes de ausência dos direitos humanos mínimos. Mas mesmo aqui também, sobretudo a nível privado, em numerosos detalhes do quotidiano. Mau grado ter vindo a conhecer nas empresas algumas mulheres que, chegando a postos de poder, se revelam bem mais selvagens que a maioria dos homens. (Será uma vingança?)
Deixo umas pequenas frases que há uns anos escrevi para minha Mãe (e que aliás ainda não cheguei a dar-lhe...):

deste Lua a meu Pai
o Sol em ti crescia
e já maduro
deste ao mundo em mim
teu coração.


jaime vehuel

Foto: Andres Amador, www.analogia.org

sábado, março 04, 2006

AO MESMO TEMPO


Embora a teoria das ondas de luz tivesse sido apresentada um século antes, Einstein introduziu a idéia de que a energia é uma estrutura granular quantificada: se expressa em "pacotes" (quanta) e as próprias ondas são quantificadas. Dito de outro modo, a luz é, ao mesmo tempo, ondas e partículas, o que ainda hoje continua desafiando o senso comum.

Texto completo em:
www.
ctjovem.mct.gov.br/index.php?action=/content/view&cod_objeto=20267

Foto:

Andres Amador, Kid and pod
www.analogia.org

sexta-feira, março 03, 2006

QUANDO EU FOR


O que é que eu vou ser quando eu for grande?
Quando eu for grande vou ser pequeno outra vez. Aí é que eu me vou divertir que nem uma avestruz!
Vou ser dono de um grande circo argentino.
Antes de mais nada defino como objectivo apaixonar-me pela trapezista, como o anjo do Wim Wenders - mas sabendo esperar por aquele momento, quiçá fugaz, em que esteja disponível para amar.
Sim, porque no fundo no fundo o que eu desejo é ser trapezista, e talvez ela mo ensine.
Enquanto espero pela trapezista convido os dois palhaços - os dois - e trago-os para um jantar na minha roulotte com chuveiro, na esperança de que eles me ensinem as máscaras de que sinto tanta falta.
Já devidamente mascarado, contrato 7 elefantes, só para fazerem a guarda de honra da arena em movimento: catrapum-catrapum, catrapum-catrapum (um truz-truz-truz em grande no tecto do vizinho de baixo).
Como os leões estão pela hora da morte, limito-me a projectar num lençol branco aquela cena do Quo Vadis no circo romano.
Depois vou à rua das Portas de Sto Antão e convido um daqueles cuspidores de fogo que andam por lá com cães vadios e muitos piercings - para o arrancar das ruas vai ser um tormento.
Cãezinhos amestrados só se for aquele minúsculo que anda pela rua do Ouro ao ombro de um menino que tenho visto a crescer por trás de um acordeão. (O menino, agora com os seus 9 anos, não pede: limita-se a tocar e a expor o cão sossegado com um fundo de garrafa de plástico pendurado na boca. Quando o menino acha que os trocos começam a ficar pesados para o cachorro, pára e recolhe.)
Como a coisa já está meio composta, ponho o que já está a treinar para ver se funciona.
Sim, funciona.
Ponho então um anúncio no Destak, com aquele verde deslavado que agora tem o Espírito Santo (o banco) a dizer: Precisa-se senhora trapezista para circo-modelo em grande ascensão. Oferece-se ambiente familiar, salário compatível, descontos para a segurança social e rede física da melhor qualidade existente nas lojas chinesas da zona da Praça do Chile. Solicita-se carta astral para avaliação prévia de compatibilidades temperamentais (com os elefantes guardas de honra). Entrevistas no próximo domingo ao meio-dia no adro da igreja dos Anjos, seguidas de almoço-convívio na Sopa dos Pobres.
Depois a trapezista escolhe-me, eu apercebo-me, ela ensina-me a sua arte, eu ensino-lhe a minha, vendo-lhe o circo por uma côdea de pão, passo a ser trapezista, se ela quiser acumular a gestão do circo ainda com o trapézio fazemos um pas-de-deux e pronto.
Em qualquer caso, temos um monte de crias e somos felizes para sempre.


jaime vehuel