sexta-feira, março 03, 2006

QUANDO EU FOR


O que é que eu vou ser quando eu for grande?
Quando eu for grande vou ser pequeno outra vez. Aí é que eu me vou divertir que nem uma avestruz!
Vou ser dono de um grande circo argentino.
Antes de mais nada defino como objectivo apaixonar-me pela trapezista, como o anjo do Wim Wenders - mas sabendo esperar por aquele momento, quiçá fugaz, em que esteja disponível para amar.
Sim, porque no fundo no fundo o que eu desejo é ser trapezista, e talvez ela mo ensine.
Enquanto espero pela trapezista convido os dois palhaços - os dois - e trago-os para um jantar na minha roulotte com chuveiro, na esperança de que eles me ensinem as máscaras de que sinto tanta falta.
Já devidamente mascarado, contrato 7 elefantes, só para fazerem a guarda de honra da arena em movimento: catrapum-catrapum, catrapum-catrapum (um truz-truz-truz em grande no tecto do vizinho de baixo).
Como os leões estão pela hora da morte, limito-me a projectar num lençol branco aquela cena do Quo Vadis no circo romano.
Depois vou à rua das Portas de Sto Antão e convido um daqueles cuspidores de fogo que andam por lá com cães vadios e muitos piercings - para o arrancar das ruas vai ser um tormento.
Cãezinhos amestrados só se for aquele minúsculo que anda pela rua do Ouro ao ombro de um menino que tenho visto a crescer por trás de um acordeão. (O menino, agora com os seus 9 anos, não pede: limita-se a tocar e a expor o cão sossegado com um fundo de garrafa de plástico pendurado na boca. Quando o menino acha que os trocos começam a ficar pesados para o cachorro, pára e recolhe.)
Como a coisa já está meio composta, ponho o que já está a treinar para ver se funciona.
Sim, funciona.
Ponho então um anúncio no Destak, com aquele verde deslavado que agora tem o Espírito Santo (o banco) a dizer: Precisa-se senhora trapezista para circo-modelo em grande ascensão. Oferece-se ambiente familiar, salário compatível, descontos para a segurança social e rede física da melhor qualidade existente nas lojas chinesas da zona da Praça do Chile. Solicita-se carta astral para avaliação prévia de compatibilidades temperamentais (com os elefantes guardas de honra). Entrevistas no próximo domingo ao meio-dia no adro da igreja dos Anjos, seguidas de almoço-convívio na Sopa dos Pobres.
Depois a trapezista escolhe-me, eu apercebo-me, ela ensina-me a sua arte, eu ensino-lhe a minha, vendo-lhe o circo por uma côdea de pão, passo a ser trapezista, se ela quiser acumular a gestão do circo ainda com o trapézio fazemos um pas-de-deux e pronto.
Em qualquer caso, temos um monte de crias e somos felizes para sempre.


jaime vehuel

2 comentários:

Anónimo disse...

Ai... quem me dera ser trapezista e numa reviravolta, ser uma assalariada com benefícios, viver em roulotes e percorrer o mundo ( foi tudo o que eu sonhei) e ter palhaços, macacos e elefantes como companheiros de luta e de suor. e ainda por cima conhecer um quase anjo!
o texto está lindo.Lembra-me o tempo em que os livros deslumbravam-me.

Anónimo disse...

E pronto! Já és, porque assim o criaste!