quarta-feira, junho 18, 2008

DE CONVENTO E PRADOS


Vê bem.

Subi ao céu, quase até ao fundo, o simétrico do cu de judas.

Às tantas abrandei a marcha, nestes tempos já menos por temor, talvez por pudor da morte ainda, apenas.

Os florescentes camponeses de meia idade que houvera deixado em terra como que me chamavam com seus prudentes silêncios convidativos; diziam, ainda não companheiro. Mas ñ foi tanto a eles que escutei, mais a minha alma funda, foi como que um sentido de Estado individual e bem interno.

Regressei então e o despertar do sonho me apanhou a meio, antes de aterrar ainda. Todavia via já um prado imenso, bem diferente do convento de beneditinos que ao subir deixara.

Lembrei umas frases que há anos escrevi para um anúncio da campanha publicitária"Leite é Juventude". (Em radical pretendendo incutir algo assim: Europeus, bebam
muito leite que nós temos excedente grande e não queremos nada baixar o preço ou dar aos mais pobres.) As frases eram mais ou menos assim:

Há muitos muitos anos as vacas deixaram de poder voar. É por tal que agora elas olham com seu olhar melancólico para os prados verdes e sonham com aeroportos.Leite é Juventude.


Jaime Vehuel

Junho 2008



sexta-feira, maio 09, 2008

COLHO EM TEU OLHAR

colho em teu olhar
amargas amoras silvestres
quando me olhas com olhos de vingança

mas são todavia amoras
nota
e silvestres
que isto sempre és

Jaime Vehuel
Dez 2007

ENROLA-SE A PAIXÃO NUMA PARRA

Enrola-se a paixão numa parra, deixa-se ao sol e à chuva dos solstícios, tempera-se com temperança e com presença. Um amor imbatível se faz.

Jaime Vehuel
Dez 2007

quinta-feira, maio 08, 2008

ERA UM GALHO

Era um galho de cimento frente a uma janela oval de madeira e aço.
Infantas espreitavam penduradas no galho para os adentros da janela e viam as suas Alices todas à lareira.

Jaime Vehuel
Dez 2007

quarta-feira, maio 07, 2008

A CADA VEZ MENOS GENTE DOU OUVIDOS

a cada vez
menos gente dou
ouvidos

prefiro
emprenhar pela pele

depois estagno tanto que
até bolor se cria
e com ele próprio minha alma
impregno
de novo de imprevisto

jaime vehuel

AGORA QUE A TORMENTA SE ESVAIU

Agora
que a tormenta se esvaiu
sei então com doçura
esperar

esperar sugar
algo do tutano de tua alma
funda

alma em mim
tenor soprano e
filho de jasmim com
açucena


jaime vehuel

terça-feira, maio 06, 2008

É HORA !

É HORA
abraços

jaime vehuel

sexta-feira, março 21, 2008

GRÁVIDA TODA, LUA TANTA


Grávida toda, lua tanta lançando morno nesta noite fria. Os lobos chiam em ti os sofrimentos que as paixões humanas encubam. As silvas amolecem diante de uma luz tão branda. Minha alma, uma vez mais com o mesmo, este mês se espanta.

Jaime Vehuel

DESNASÇO COM DESPUDOR

Desnasço com despudor, errante de nenhures. Respiro então o canto de uma cotovia, é noite, o bréu me protege de qualquer apego, solto as amarras da alma e só por ela aporto a parte alguma sem sofrer.

Jaime Vehuel

quarta-feira, março 19, 2008

SUBMISSAS AO VENDAVAL ROLAM BOLOTAS


Submissas ao vendaval, rolam bolotas invisíveis pelos campos ermos de uma explícita angústia. Pela manhã vou colhê-las, uma a uma, pois são elas o maná insuspeito de mais um apocalipse de bolso.


Jaime Vehuel
imagem: Paul Klee, Magic Garden

segunda-feira, março 17, 2008

AI, O FULGOR DAS BORBOLETAS

Ai, o fulgor das borboletas quem me dera. Fico no entrecampos de um bosque de esferas malvas. E ai que bom quando não escorrego nas lamas que meu império tece e, afogado, me ausento, inebriado de lamento, um estagnado desporvir.

jaime vehuel

TÉPIDO É O SUAVE RESFOLEGAR

Tépido é o suave resfolegar das sereias transparentes que povoam as planícies.

jaime vehuel

QUÃO GENEROSAS SÃO AS MADRUGADAS


Quão generosas são as madrugadas, e tão breves. Irrompo da noite a passo lento e acalento mordomias ao hóspede de mim que fui por entre luas. Venero o sol chegante e, quase ofegante, limpo daquele caminho as minhas cinzas.

jaime vehuel

E DE SÚBITO O CÉU CHOVEU

E de súbito o céu choveu sobre meus ombros lisonjas em gomos. Eu, embora sequioso de mim mesmo, tive pudor em lhes dar interior, mas acabei jovial lhes sucumbindo.

jaime vehuel

CALCURRIO RENDIDO A PELE INTEIRA

Calcurrio rendido a pele inteira que me ofereces, ao mesmo tempo com sede e saciado. A juzante encontro orvalho e musgo, entre eles recebes meu beijo outro, coisa de entranhas, de labareda e de riacho.

jaime vehuel

URGE TRAZER PARA AS AURORAS

Urge trazer para as auroras lívidas dos nauseados peitos o frémito das searas em brisa. Esse loiro remanso dos poentes tem por si crinas baptistas, assim me contaram as insónias.

jaime vehuel

quinta-feira, março 06, 2008

DEI POR TI ESCONDIDA


Dei por ti escondida por trás do tempo, como grão de areia destinado a ser rocha macia. Estendi-te o pé e tu bafejaste nele as doçuras que aprenderas com os anjos. Fiquei ali, deleitado naquele morno do teu bafo que assim ficou tão querido.


jaime vehuel

terça-feira, março 04, 2008

ARRASTO A VERDADE

Arrasto a verdade como um limo escorrendo pelo asfalto em manhã de gaivotas. Cheiro nela a presença de incontáveis insónias, cansaços que fazem das afirmações convictas apenas tangíveis serenatas de névoa. Toco ao de leve a fímbria do tempo e nela me enrosco, perdido de amores pelo infinito.

Jaime Vehuel